quarta-feira, 9 de maio de 2018

Comentários de Valdemar Setzer a texto sobre Machine Learning




O texto comentado é Google Duplex: An AI System for Accomplishing Real-World Tasks Over the Phone. Abaixo os comentários do professor Valdemar Setzer (IME-USP).

Muito impressionante. Mas logo no começo há um erro mistificador:

we have witnessed a revolution in the ability of computers to understand and to generate natural speech, 

Computadores são máquinas puramente sintáticas, não contêm semântica, e portanto não compreendem absolutamente nada. Podem comportar-se como se compreendessem, mas é não uma compreensão real, e ela não deveria se chamado como tal. Em minha conceituação, compreender algo significa associar uma representação mental (advinda de uma percepção sensorial ou da memória) com o conceito inerente ao que está sendo representado, o que é feito pelo pensamento. 

Por exemplo, se você olha para a entrada de sua sala, qual objeto você percebe visualmente? Não percebe visualmente nenhum objeto, e sim impulsos luminosos! A partir da representação mental do objeto, feita pelo pensamento a partir daqueles impulsos, você chega, com o pensamento, ao conceito "porta". Você reconheceu que o objeto tem a mesma essência de todas as portas, isto é, chegou ao conceito correto de "porta" -- que não tem representação simbólica nem física -- portanto, um computador jamais chegará a um conceito. Pode chegar a algum trecho da unidade de armazenamento onde está a palavra "porta", mas isso NÃO foi uma compreensão, foi uma manipulação meramente sintática!

Um exemplo de um conceito puro é o que há de comum entre todas as representações simbólicas do 2: 2, II, ii, .., :, dois, dos, due, deux, zwei, two, dva, chtaim etc. Esse conceito puro, com o qual trabalha-se na matemática, não tem representação simbólica; ele existe no mundo platônico das ideias, ao qual temos acesso com nosso pensamento. E ao qual jamais um computador terá acesso, pois é uma máquina puramente física. Portanto, na minha teoria jamais um computador terá a compreensão humana. Pode simular uma compreensão, mas alguém simulou um fogo no computador e saiu correndo de medo?

Você vê que eu avancei em relação ao "Chinese Room" do Searle, que mostra que os computadores não têm compreensão (no caso, da língua chinesa) mas não diz o que  é compreensão.

Eu acho que a mistificação que citei no começo é extremamente perigosa, mas isso é um outro assunto.

Quanto ao artigo, aposto que o sistema segue certos padrões, por exemplo reserva de mesa em um restaurante. Será que ele comportaria um montão de padrões? Conseguiria reconhecer qual padrão usar em cada caso?


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Comentário de Cristina Murta no Facebook: 
Comentários de Descartes sobre máquinas imitando homens, no livro Discurso do Método, publicado em 1637 [Descartes, 1981]. Descartes aponta dois critérios – muito seguros, segundo ele – para diferenciar homens e máquinas: 

se houvesse outras [máquinas] que apresentassem semelhança com os nossos corpos e imitassem nossas ações tanto quanto fosse moralmente possível, teríamos sempre dois meios muito seguros para reconhecer que nem por isso constituiriam homens verdadeiros. Desses, o primeiro é que nunca poderiam usar as palavras, nem outros sinais, compondo-os, como fazemos para expressar a outrem nossos pensamentos, pois se pode muito bem conceber que uma máquina seja feita de tal modo que profira palavras, e até que profira algumas a respeito das ações corporais que causem qualquer alteração em seus órgãos (por exemplo, se a tocam em certo ponto, pergunte algo que se lhe quer dizer; se em outro, que grite que lhe fazem mal, e coisas semelhantes), mas não que ela as organize de diferentes modos, para responder ao sentido de tudo quanto se disser em sua presença, assim como podem fazer os homens mais embrutecidos. E o segundo é que, apesar de realizarem coisas tão bem, ou talvez melhor do que qualquer um de nós, falhariam indubitavelmente em outras, pelas quais se descobriria que não agem pelo conhecimento, mas unicamente pela disposição de seus órgãos. Pois, enquanto a razão é um instrumento universal, que pode servir em todas as espécies de circunstâncias, tais órgãos necessitam de uma disposição particular para cada ação particular. Daí resulta que é moralmente impossível que existam numa máquina disposições bastante diversas para fazê-la agir em todas as ocorrências da vida, exatamente como a nossa razão nos faz agir.

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