Na minha visão, a próxima fronteira é algo maior, que não inclui só engenharia de software: é a ciência aberta. Desde o meu doutorado, eu já tinha interesse no tema, principalmente no sentido de tornar os artefatos de pesquisa disponíveis e os artigos abertos no Arxiv, como você mencionou anteriormente, mas nunca tinha feito pesquisa sobre isso. Há mais ou menos um ano e meio, fui convidada pelo Sérgio Soares, da Federal de Pernambuco, para uma colaboração no projeto de doutorado de uma aluna dele, que agora também é minha aluna, eu sou coorientador dela, Ana Paula Vasconcelos, pra fazer pesquisa em Ciência Aberta. Inclusive, já tivemos nosso primeiro artigo submetido.
Mais recentemente ainda, o Sérgio e eu começamos a colaborar também com outros pesquisadores brasileiros que foram os pesquisadores brasileiros que na verdade levaram o Workshop de Open Science para o CBSOFT: Christina Von Flach, da Federal da Bahia, e o Edson Júnior Oliveira, da UEM, e também o Alcemir Rodrigues Santos, da Universidade Estadual do Piauí.
A ciência aberta é muito importante para a construção de conhecimento em projetos de pesquisa. Ela ajuda na disseminação, por exemplo, se colocamos o pré-print do artigo no Arxic mais cedo, o que também ajuda a garantir a originalidade pela data de registro. Além disso, auxilia na reprodução de estudos, que é uma necessidade grande, pois nenhum estudo é definitivo. No entanto, esse tópico não é tão explorado, especialmente em engenharia de software. Às vezes encontro artigos sobre o tema que não são de pesquisadores da nossa área, o que acho estranho porque nós construímos muitos protótipos e ferramentas, então deveríamos ser muito bons em advogar e compartilhar bons repositórios com nossos dados e ferramentas, mas não existe nem pesquisa para avaliar se estamos de fato fazendo isso.
Veja que estou falando de duas coisas: a aplicação de ciência aberta e a pesquisa sobre ciência aberta. O trabalho da Ana Paula é sobre isso; ela está investigando como o compartilhamento de artefatos tem ocorrido no contexto do ICSE, para vermos em que pé a comunidade de engenharia de software está no sentido de abrir a pesquisa e torná-la utilizável para outras pessoas, para outros pesquisadores.
Na minha visão, a ciência aberta vai ganhar muito espaço nos próximos anos. Em alguns países, como aqui na Holanda, isso já está começando a ser uma exigência das agências de fomento. Ao escrever um projeto de pesquisa para pedir financiamento, você já tem que incluir um plano de como vai armazenar e distribuir dados e software. Se queremos conseguir o dinheiro para contratar um aluno de doutorado, precisamos considerar a ciência aberta, e acho que isso vai fazer com que os pesquisadores não a negligenciem. No entanto, apesar de eu achar que haverá uma mudança razoável em engenharia de software em poucos anos, acredito que para atingir o potencial máximo, o caminho é longo. Isso é uma mudança de cultura. Em vez de pensarmos só no artigo que precisa ser aceito, é um jeito diferente de fazer pesquisa, compartilhando tudo. Desde o início, já temos que ter isso em mente e planejar.
Existe um caminho longo para conseguirmos abraçar de fato a ciência aberta, várias coisas são necessárias. Discutindo com as pessoas com quem tenho colaborado, chegamos à conclusão de que precisamos de mais consciência e melhor educação sobre o tema. Além disso, necessitamos de sistemas de reconhecimento melhores. Em concursos no Brasil, por exemplo, o que conta são os artigos publicados, não importa se você tem um repositório brilhando e utilizável. Este é um exemplo do Brasil, mas, no geral, no mundo, precisamos de um reconhecimento que avalie os pesquisadores também pelo que eles fazem pela ciência aberta. Então, eu diria que essa seria a próxima fronteira, na minha visão.
Veja vídeo em https://dev.to/fronteirases/a-proxima-fronteira-e-a-ciencia-aberta-fernanda-madeiral-cin-ufpe-2jne